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quarta-feira, 29 de julho de 2015

próxima estação

As vezes eu acho que você só veio abrir uma porta para mim, com entrada para o verão. E quando eu me perco no reflexo do vidro de janela desse trem, olhando sem olhar para a paisagem se mexendo lá fora, é tudo dentro de uns sorrisos que ainda não visitei. Engraçado como as possibilidades chegam com as pessoas. Um abraço que eu imagino, olhos deitados, cheiro de edredom... É fácil, sabe? Ainda é tudo tão fácil na minha cabeça.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

bus ride

Em prol da poesia, você narrou o que queria fazer comigo enquanto sentávamos nos fundos de um ônibus lotado. Você pressionou a palma da sua mão na minha coxa enquanto inúmeras pessoas que lotavam aquele ônibus falavam sobre como não conseguiriam pagar todas as contas do mês, ou o último capitulo da novela das nove, ou sobre as ultimas que sua vizinha aprontou.
Eu sabia que cada movimento seu era em prol da poesia. Sabia que cada palavra bonita e suja que você dizia era porque sabia que eu as tornariam ainda mais bonitas e sujas em meus textos.
O quão forte você enrolaria meu cabelo nos seus punhos, com quanta força você me puxaria pelas cintura, com qual frequência você arranharia minhas costas e chuparia meu pescoço.
Em prol da poesia, você me disse o que queria fazer comigo ali mesmo naquele ônibus lotado. E eu te amei ali porque você saberia o que fazer, o que tocar, como me transar. E cada palavra sua arrepiava uma parte diferente no meu corpo.
Eu mordi meu lábio, tentando não me afastar de você pra te fazer parar, tentando não te agarrar naquele ônibus lotado. E eu mordi meu lábio querendo mais dessas suas cenas, querendo mais você. Mas você... Você manteve sua mão pressionando minha coxa durante todo caminho pra casa. Descemos do ônibus, e acabou alí.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

abrangente unicidade

Não tentemos consertar nada. Se estou aqui agora, se escolhi isso antes, é porque parecia definitivamente interessante. Se me despeço de alguns amigos, se os vejo ficando enquanto procuro batimentos mais ordenados, é porque estou num processo árduo de cavar a terra e recuperar os instintos. E até agora, o que me dizem meus próprios ossos que encontrei escavando, é: não tentemos consertar nada.
E vou inventando em cima daquilo que já foi rabiscado. É uma questão de ver e de esmigalhar o passado. É uma questão de revisitar poços antigos. E ir percebendo a essência. Descobrir aos poucos porque será que vim parar justo aqui. Olhar de fora aquelas bifurcações nos caminhos, e traçar a linha por cima dos pontos para conferir o desenho que fiz.
Não nos desculpemos por nada. Eu teria sido um pouco infeliz. Foi preciso mesmo dar muitos passos descalços, sentir a sola dos pés no frio, no quente, no áspero, na areia. Foi preciso dançar ignorando dores no corpo, para que o corpo chegasse um pouco mais perto da alma. Deixar essas dores, as distensões, as inflamações de lado. Tudo isso para buscar alguma coisa que hoje parece um pouco mais nítida. Uma figura humana, feminina e à flor da pele – minha transparência.
Foi preciso estabilizar os tornozelos, tremendo de medo dos primeiros passos. Subir na ponta dos pés, dos muros, das estrelas que andei sonhando, e pular e arriscar o vôo para descobrir que eu gosto é da queda. Da terra, da superfície ampla e firme de um planeta. De abraçar o chão a cada gesto, de espalhar o corpo como numa cama a perder de vista.
E a cada processo, a cada movimento brusco ou mínimo, encontrar um motivo para fazê-lo. Associar a vida, para dar verdade à cena. Usar a cena, para a terapia da vida. Aprendi a dançar meus solos, tomar café sozinha numa manhã tranquila e ser minha própria companhia.

Não tentemos disfarçar nada. Cada palavra engolida pode ser mais uma peça a ser escavada.