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terça-feira, 16 de agosto de 2011

uma história com firulas

Ele nunca soube explicar como, nem onde e muito menos o porque. Simplesmente aceitou aquela sensação acalentadora em seu peito. Era reconfortante. Uma serenidade inigualável. Nunca antes experimentada por ele.
A história era antiga. Um passado tinha existido antes deste reencontro final e agora mais perfeito e objetivo do que nunca. O que ficou para trás marcou-o profundamente, não por ter sido ruim. Longe disso. Mas justamente por tê-lo feito feliz em algumas trocas de saliva e cruzar de braços às costas.
Ela era muito pra ele no momento. Sempre o foi. E mesmo agora, continua sendo tudo além do que ele merece. E assim sendo-a, ele busca agradá-la em todos os sentidos, embora ela muitas vezes dizendo que não é necessário. Mas ele pensa: "Ela é perfeita! Tem todas as qualidades e os defeitos que tornam ela justamente a síntese dessa palavra. Não tem sentido não esforçar-me para fazê-la feliz."
O tempo passou e o passado só vem a confirmar o que ele havia dito à ela um ano atrás.
Não foi olho no olho, cara a cara. Ele tinha vergonha de expressar-se na época, então as maiores e mais lindas declarações de amor eram postas em letras digitais, que iam tomando forma com o metralhar de dedos nas teclas empoeiradas e já desgastadas pelo tempo e uso frenético de suas mãos.
As cartas virtuais nunca foram lidas por ninguém, nem mesmo por ela, a dona de seu coração e musa inspiradora de tais parágrafos.
O dia iria chegar e tais contrações de letras teriam um sentido maior do que na época. Mais transcendente. Seriam verdade. Além do absolutismo e do próprio entendimento dele.
Ansiosamente, ele recusou e esperou. E esperou. Sem preocupar-se. No fundo, algo tinha mudado para ele. As cores tinham tomado novas formas, a simplicidade que ela tinha no olhar, nos gestos. Tudo afetou. Tudo parecia certo. Mas não no tempo certo. A hora era errada. Os destinos tinham pregado uma peça. E não fora das boas.
A desolação foi instantânea ao ler as seguintes palavras: "mas me PROMETE que não vai mais esperar nada de mim? que se confiar em mim e nas coisas como devem ser tudo vai ser melhor? eu só quero melhor, sempre. só te peço isso... "
Nada foi mais lúgubre do que ter de ler isto. Era a verdade. Incontestável como nunca fora. Coesa. Correta. Absoluta. E quisá desmantelada.
Muito entre este espaço de tempo que seguiu-se aconteceu.
A desilusão foi forte pra ele. O sentido não foi perdido, mas por um lado, deixou de ter a coerência de antes. Quando a sentia, ela estava ao seu lado, trocando olhares de beijos. Carícias e abraços.
Ela seguiu seu rumo. Encenando a vida dela em cada passo. Em cada olhar e palavra expressada. Em cada sorriso e abraço proferido. Uma atriz da vida.
Isso ela sempre foi, e continuou sendo. Uma das melhores pra ele. Na interpretação da vida. Na atuação da realidade.
Ela não mente, engana. De dissimulada, nada tem. Só quando o personagem exige isso dela.
Sempre boas com as palavras, cada sentença que dizia a ele era uma flecha fincada na tábua do alvo em seu coração. Algumas boas, outras nem tanto, mas na média geral, destacava-se por conquistá-lo sempre. Todos os dias. O tempo inteiro. Mesmo nesse hiato relacional. Em que cada um prosseguiu em caminho oposto, mas com as estradas em paralelo.
"Os caminhos ainda vão se cruzar.", ele disse para ela uma vez. E acreditou piamente nisso. Cego, resoluto. Tranqüilo, sem pressa. Havia de chegar o dia. Nunca pensou o contrário, nem por um segundo.
O encanto foi imediato. A empatia que o acometeu ao olhar para ela foi absolutamente fora de série. E tudo o que sentia antes, só veio a crescer e tornar-se o que é hoje, um sentimento de paixão, de carinho, ternura, companheirismo.
As estradas um dia opostas, bifurcaram-se como que por um acaso, simplesmente pelo fato de um convite para uma festa ter sido aceito.
Mal sabiam que dali, sairia um grande conforto para os dois. Dali, floresceria uma relação que seria perfeita, em todos os sentidos da palavra. Teria compreensão de ambos, o carinho, a atenção, os sentimentos relacionados e interligados, a sintonia no pensar, no agir, no falar. No tocar. O encaixe dos beijos e dos abraços. No dar as mãos, via-se claramente a conexão entre os dois.
Mesmo o convite tendo sido aceito, algumas outras barreiras precisaram ser transpostas, quebradas. Alguns relacionamentos por parte de cada um precisavam ser vivenciados para que pudessem começar o deles.
Ela, ávida em suas decisões, flertou com o que seria um namoro. Mas durou pouco tempo. O suficiente para ser lembrado para sempre, mas pouco para ter significado alguma coisa. Uma lição desse relacionamento velocista foi tirada, e ela a carrega consigo até hoje. Muitas vezes, a impetuosidade do impulso traz resultados estranhos. Foi o que ela aprendeu.
Por outro lado, ele não flertou com relações sérias, continuo vivendo despreocupado, sem prende-ser sentimentalmente a ninguém. Seu coração estava reservado a tempos. Apenas esperando o destino encontrar a hora exata para acontecer.
E em mais uma festa, esse momento aconteceu. Uma conversa de uma hora definiu o que seria a relação deles, e do auge de sua insanidade mental, ele disse às palavras que definiriam e marcariam a vida deles: "Do caralho".
Nada expressa uma situação melhor que um palavreado. Ainda mais quando a situação envolvia os dois. E o começo da vida a dois para eles.
A palavra exclusividade ganhou outro sentido. Outra denotação. Tudo passou a significar algo para eles, e todo o resto não importava. Criaram um mundo próprio. Não de fantasia. Isso não era a intenção deles. Viveriam embasados na realidade, nos sentimentos, na verdade, nas ações e nos gestos sinceros.
'A sinceridade acima de tudo', seria o lema de ambos. E eles dizem que tem dado certo.
Cada dia que passa, quebram mais paradigmas. Não são todos que conseguem seguir essa máxima pessoal, ser sincero independente da situação. Mas eles são assim. Indecifráveis para o mundo e totalmente abertos, um para o outro.
Os dias foram passando, as visitas aumentando, junto aos sentimentos e saudades dos momentos em que não estavam juntos.
Até que em um fatídico dia, ela o pediu em namoro. Em meio a uma troca de beijos e abraços fervorosos. Não tiveram meias palavras, meios termos, meio-nada. Foi direto. Reto. Inesperado e maravilhoso.
E uma quebra de paradigma foi feita. Ela foi quem o pediu em namoro, e ele, sem ao menos pensar, refletir o que tinha acontecido, aceitou no ápice do momento.
Sem medo. Dúvidas. Sem querer explicações. Ele queria isso. Tinha pensado nisso. Mas não sabia o que ela pensava. O que queria. Se estava em sintonia.
Foi a melhor surpresa que ele poderia ter ganhado. O início de um namoro com a menina que não saía de sua cabeça há tempos. Há meses, rondava seus pensamentos e memórias. Seus sonhos e seus olhares corridos pelas palavras nos e-mails, no blog.
Agora, o que o tempo reserva para eles, aos poucos vão descobrindo juntos, de braços dados e mãos abertas.
Aventurando-se em algo novo para ambos.
Assustador? Não.
Nada os assusta quanto ao que sentem e pensam.
Cada dia mais se adoram, e cada dia distante um do outro pensam nos momentos em que estavam juntos e sabem, que em breve, estarão juntos mais uma vez. Como se fosse a primeira vez. Todas às vezes. Sempre em vezes.

O futuro é o que eles têm, e o presente, é o melhor que eles jamais poderiam imaginar.

terça-feira, 28 de junho de 2011

quebra-cabeças

Depois te todo esse tempo de tentativas falhas de ir embora por medo do desenho que minha vida estava montando, em fiquei. Eu aceitei que devo ficar. Olhar pra trás ta confuso e angustiante. Tem um buraco logo atrás dos meus pés - como se o tempo todo que tentei fugir tivesse se apagado. Esse buraco ta me impedindo de voltar a fugir. Não tem como eu voltar a fugir. E, também, quem disse que ainda quero fugir? Eu não quero fugir. É como se o desenho tivesse mudado, e as peças do quebra-cabeça quisessem se encaixar diferente dessa vez, para montar alguma coisa bonita. E, agora, eu só estou aqui, tentado montar alguma coisa bonita. Um quadro novo, desses de deixar na parede. Às vezes a gente demora para se encaixar, mas é só sair, respirar fundo, bater o olho direito, que as coisas encontram o seu lugar, assim, aos poucos…

domingo, 17 de abril de 2011

"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê!"

Florbela Espanca

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Medo do escuro

Sabe quando se sonha estar caindo de um prédio, sem saber ao certo quem te empurrou, e acordar num chute, antes que se chegue até o chão? Ou quando se sonha que se perdeu no meio do caminho, de uma cidade de cores desbotadas, que você não sabe quando-como-porque-ou-onde elas desbotaram, numa rotina que a gente até esquece como se formou? Às vezes é impossível arrumar os porquês, mas se continua andando, ainda que sem sentido. Foi olhando assim que eu aprendi. Parece que é só medo, um puta medo de recomeçar. Mas será que dá para recomeçar? A gente até fica feito um quarto que se torna vazio por causa das luzes apagadas - não se pode ver os móveis, mas eles ainda estão lá.

segunda-feira, 21 de março de 2011

no fim

As luzes apagadas sempre foram mais reconfortantes. O sofá estava macio. O chá estava esfriando. O tempo estava quase parando. No momento presente existiam apenas as silhuetas das coisas e o ruído móvel e longe dos carros passando na avenida. Mas dava pra sentir por traz do pescoço, próximo ao ouvido, o som da folhagem hesitante nas arvores e o piscar das estrelas no céu. Já era Outono. Já não existia mais nada ali, ninguém existia em parte alguma. Levantou-se subitamente junto com o que, pensando inconscientemente, nomeou como uma "sensação vazia e estranha”. A suavidade dessa hora iria se perder pra sempre. Tanta suavidade perdida por esse mundo afora...

quarta-feira, 9 de março de 2011

a música de outra pessoa

Ela morava no décimo primeiro andar, e escondia alguns sentimentos em uma latinha em cima do seu guarda-roupa. A noite sempre se perdia do seu sono. Era ela contra o seu espelho, perguntando se as coisas voltariam a ficar melhor. Nunca parou para pensar como seria começar do zero, até porque o zero nunca havia existido para ela, que desde pequena aprendeu que se começava sempre a contar pelo número um.

O garoto do oitavo andar tinha um topete lindo e sempre vestia um blazer preto de golas levantadas pelo pescoço. Tinha um vício e de madrugada gastava metade do seu maço de cigarros esperando...

Esperar era um verbo que ela sempre dizia ser sem ação, como um substantivo comum. Era camuflado entre os seus, e covarde, pois se escondia em salas de espera, revistas fúteis e relógios de parede. Mas de qualquer forma, ela esperava pelas duas da manhã, quando descia pelas escadas até o térreo, e passava por um rapaz de topete que tinha o costume de fumar pelos corredores do seu andar.

Eles tinham essa mania de fingir não se notar.

Ele pedia o elevador, e ela voltava pelas escadas. Ele alcançava a calçada, e ela chegava em casa. Ele atravessava a rua, e ela abria a janela. Ele acendia um cigarro, e ela afastava a cortina. Ele olhava para ela, e ela olhava para ele. Dois sorrisos.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

até quando?

E quem a olhava pensava que queria estar como ela. Parecia tudo tão bem, tão no lugar, tão certo. E era assim mesmo. Fora dela era assim mesmo. Dentro tava uma bagunça. Todo dia quando já deitada começava a separar os pensamentos, arquivar alguns, jogar fora outros, e outros ainda tinha de anotar em um post-it e colocar onde fosse visto, para não esquecer. Todo dia todo esse trabalho e tudo dentro dela continuava uma bagunça. Arrumava tudo de noite e de noite mesmo bagunçava. Era como quando entra um vento forte pela janela e faz voar todos os papéis da mesa. Vento esse que vinha dos seus sonhos, tão profundos e secretos que nem ela mesmo sabia deles - ou não queria saber. Mas isso não importa. O que importa é arrumar de novo e de novo os papeis da mesa - quer dizer, os pensamentos – até parar de ventar – quer dizer, sonhar. E de novo e de novo e de novo.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

dentro de mim

Andei por folhas lindas hoje, elas me fizeram levantar os olhos para além da árvore, para o céu. Mas não era o céu, ou as folhas lindas de hoje. Era eu, perdida dentro de mim, amarrando meus sentidos aos meus sonhos novamente. E agora que eu só queria uma varanda para debruçar, assistir ao escuro dando espaço para fumaça que sai da minha boca dançar... não é a varanda, ou a fumaça que sai da minha boca. Mas sou eu, de vez em quando, perdida dentro de mim.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

em segundos

E já estava planejando como escreveria sobre estar sentada esperando que algo aconteça para mudar sua vida quando ouviu o sinal de segurança da porta do trem. Ela a viu entrar desajeitada-quase-caindo, com um sorriso tímido e um olhar que - ela não arranjou argumentos para definir o olhar -, e parar sem graça bem a sua frente. Seria irônico e pretensioso demais pensar que aquela seria a garota com quem queria dividir o banco da praça, e toda sua vida? Bom, foi impossível não pensar assim.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

os planos mudaram

- Os planos mudaram - disse Maria.
- Mudaram? - perguntou Beatriz, ansiosa.
- Sim.
- Que planos?
- Os nossos, oras.
- Tínhamos planos?
- Sempre tivemos.
- Planos da vida?
- Da vida! - Disse Maria, com um ligeiro sarcasmo na voz. - Que planos da vida, garota? Não se faz planos para a vida!
- Bem, eu faço, mamãe...
- Você sonha, ambiciona, deseja, inventa, mas não planeja - disse a mulher, num tom categórico.
- Tudo bem, então! - A garota se irritava com os tipos de diálogos que tinha com a mãe. "Como ela pode simplesmente falar como uma tirana, sem ao menos ouvir argumentos, sem conseguir conversar?"
- E você irá estudar fora - continuou Maria, um pouco mais cautelosa agora -, num colégio interno para garotas, no sul da Suíça.
- Estudar fora? Colégio interno? - A garota estava séria, as sobrancelhas se juntando, formando uma só linha.
- Foi o que eu disse.
- E isso não é um plano pra vida?
- Não, não é. É uma medida calculista imediata que não vai alterar tanto o seu futuro. Você simplesmente terminará os estudos lá e depois irá para a faculdade que quiser.
- É a minha vida! Eu não vou!
- Vai.
- Não, mãe! A senhora não entende? Eu tenho amigos aqui, a minha vida é aqui!
- A sua vida não é em lugar nenhum. Você vai.
- Mãe! - Exclamou Beatriz, num tom de súplica.
- E é melhor fazer as malas, o seu avião partirá às três horas. Engula o choro e não proteste, eu sou sua mãe e mando em você. Não tente argumentar comigo, nem por um segundo pense nisso.