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terça-feira, 27 de maio de 2008

Frio que não se sente.

Dois cheiros são divididos pela difurcação de idéias. A mente correndo a milhões de quilômetros por hora, passa por cima de qualquer fraqueza; não há fome, medo ou vontade que não possa ser feita. O mundo é você, e você se torna o mundo, podre e cheio das suas imperfeições. Mas são seus braços que desentortam as placas e as ruas mal feitas. O ar limpo clareia os pulmões e as pessoas desaparecem de tão desnecessárias. A velocidade abraça as palavras que saem atropelando umas as outras, de repente existe tanto para ser dito. Os dentes resistentes mastigam toda a covardia, e o amargo na garganta domina a boca toda. Estáticos e sincronizados a qualquer movimento, os olhos não dormem. As pernas ousadas querem ganhar o asfalto em cima dos pés alados, enquanto o nariz anestesiado por tanto perfume se perde no frio, no frio que não se sente.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Abstinência

Costas com a parede, braços de abraço com os joelhos. Os ponteiros que giravam eram a sua única preocupação. Ansiosa pelos minutos, o frio lhe castigava o rosto e os lábios maltratados estavam ressecados. A barriga reclamava por comida, e ela só reclamava a solidão. Quando é noite e escuro, tudo parece mudar de cor e tamanho. E assim, se via pequena demais para aquela sala, quase sem móveis. A distração cochilou nas luzes que passavam correndo pelo seu tapete, sempre que um carro dobrava a rua com os faróis acesos. Mas logo vem o sol, pontual, pensou ela. E esperava por sua visita, e pelas visitas que viriam com a sua visita. Aguardava o calor e guardava rancor.
Recobrando o gosto do passado decadente que caindo lhe trouxe até alí, como quem leva um tropeço em um lance de escadas, dois pingos de tinta vermelho sangue com cheiro de ferro, mancharam o jeans. Era o nariz chorando as sensações de poder dos tiros de rebeldia.
Ela se levantou e foi até o lixo do banheiro. Nasceu esperança de recuperar os dois anos que abandonou ao acaso. Mas já era tarde. Lembra? O sol estava a caminho.

domingo, 11 de maio de 2008

Quando encosta o fim

Deve ser horrível envelhecer. A cozinha branca tinha alguns detalhes em preto e cinza, e a mesa entupida de comida, estava cercada pela família toda. Um homem frágil feito um bebê tinha a pele manchada, a boca trêmula e os braços sem força alguma. Tantas vozes juntas e mesmo assim, seus ouvidos se perdiam nos seus olhos, que se perdiam no seu próprio passado. Ele assistia à sua infância, à sua timidez no primeiro encontro com a velha sentada ao seu lado, aquela moça de quando juntaram as vidas. Já foi neto, filho, irmão, pai, tio e avô. Já foi, e já está indo. Nem o relógio lhe agrada mais no pulso, o tempo passa assustador. Os gestos amargos cresceram junto com os anos, e já não existem mais chances de consertar a maioria dos erros. Das coisas que ele vai deixar para trás, só sentirá falta do que nunca teve e do que deixou de fazer. Coisas que viraram um buraco, do tamanho do seu corpo, uma cova bem funda no esquecimento das gerações não nascidas.
Então ele se levanta, porque já é hora de ir. É hora de estar em casa, de tomar remédio, de ir dormir. As pernas desobedientes mal erguem sua coluna, e os braços desconfiantes se agarram a qualquer coisa para mantê-lo em pé. Fala do prazer de rever todos os presentes, um abraço e um beijo de cortesia para cada um. Sua mão passa pelo encosto de todas as cadeiras, pelo ombral da porta, e pela maçaneta também. Chega a ser vergonhosa a falta de precisão, mas ele finge que passa por cima, e que não acabou. Deixou a casa na esperança de voltar no ano que vem, mas vai saber quantas mais hemodiálises ou injeções de insulina ele irá sobreviver. É tudo uma questão de tempo.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Decrescente

A brisa da noite penteou o cabelo dela para o lado, mostrou seu rosto avermelhado e ele, dono da mesma vergonha, se manteve o tempo todo parado. A postos na calçada, esperando os carros passarem, o farol se aliou a eles e resolveu mudar sua cor, parando o tempo em volta. Pronto, sem muito ensaio as mãos se encontraram e a rua se fez livre para atravessar. Mais tarde, seria a chave da porta da frente quem mostraria o cenário do segundo ato.

Capitulo dois: A desconquista

O beijo molhado tinha sabor de decepção temperado à falta de atitude, o sofá não era tão macio e o silêncio ensurdecedor feria os ouvidos. Dos beijos que recebia no pescoço, ela refugiou seus olhos na lâmpada acesa, na esperança de que talvez a luz pudesse avisar o mundo, ou quem sabe algum curioso, de que duas pessoas ocupavam aquela sala. Mas a luz fugiu nos dedos frios de um homem tão menino que preferiu se mascarar com o escuro com ajuda do interruptor. A partir daí, se descorreu uma sucessão de erros. A lâmpada desligada vendou a menina. Cega para admirar as qualidades dele, ela passou a tropeçar em tantos defeitos quanto lhe fosse possível, já que no claro - como havia se acostumado - os detalhes que via formava um rosto composto por métricas perfeitas que paralisava os seus pensamentos. Mas agora esse rosto estava perdido no preto, e seus pensamentos corriam junto de um grito surdo, um grito de socorro abafado naquele apartamento. Então a angústia invadiu o peito dela, a angústia presa nos lábios masculinos dele, tão delicados quanto os dela, femininos. A angústia dormiu na menina, a menina dormiu no menino e a lua dormiu no dia.Num dia seguinte com a manhã mais bem vinda de toda a sua vida, o ar condicionado do táxi arrepiou todos os pelos da mesma menina. E olhando a rua e suas composições sem prestar atenção, ela sentia falta do café da manhã que lhe deveria ter sido oferecido com um sorriso escancarado. Distraída com o sabor do suco que cairia melhor com a refeição, confundiu a voz do taxista com a do seu próprio pensamento. De volta para a realidade, ao bater a porta do carro, alegrou-se por estar mais leve, livre para amar outra pessoa.