Costas com a parede, braços de abraço com os joelhos. Os ponteiros que giravam eram a sua única preocupação. Ansiosa pelos minutos, o frio lhe castigava o rosto e os lábios maltratados estavam ressecados. A barriga reclamava por comida, e ela só reclamava a solidão. Quando é noite e escuro, tudo parece mudar de cor e tamanho. E assim, se via pequena demais para aquela sala, quase sem móveis. A distração cochilou nas luzes que passavam correndo pelo seu tapete, sempre que um carro dobrava a rua com os faróis acesos. Mas logo vem o sol, pontual, pensou ela. E esperava por sua visita, e pelas visitas que viriam com a sua visita. Aguardava o calor e guardava rancor.
Recobrando o gosto do passado decadente que caindo lhe trouxe até alí, como quem leva um tropeço em um lance de escadas, dois pingos de tinta vermelho sangue com cheiro de ferro, mancharam o jeans. Era o nariz chorando as sensações de poder dos tiros de rebeldia.
Ela se levantou e foi até o lixo do banheiro. Nasceu esperança de recuperar os dois anos que abandonou ao acaso. Mas já era tarde. Lembra? O sol estava a caminho.
Esplêndido! O detalhamento minucioso nos leva a mais do que presenciar a situação, senti-la na pele. O "lembra?" nos revolve a memória àquele que parecia ser mais um fato da discrição (o nascimento do sol) mas que era na verdade o ponto crucial de sua epifania. Belo, agonizante, inteligente.
ResponderExcluirParabéns Amanda você é realmente uma artista, tambem das palavras...