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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

sobre-vida

Mesmo que ela precise inventar, bem lá dentro tem um escândalo a lhe empurrar, lhe obrigar a continuar. Os dias leves não lhe convencem, ela procura no drama os calores que quer encontrar. Mistura os sabores, confunde os dias que passam e sobe bem alto para depois se arrepender e doer e fazer tudo de novo e viver pedindo desculpas. Pode insinuar ternura e amor, mas não o faria sem perigo ou tragédia, sem a possibilidade vital de tremer, passional, sobre a finura em que se equilibra sem pender exatamente para lado nenhum.

Não pode ser pouco, não deve bastar.
Quer sobrar no excesso, nadar no que irá ser varrido depois.
Acumular.

Quem lhe socorre é ela mesma. Não faz apelos. Apenas grita em público. Mas o que soa alto nada quer pedir, só desejar, como forma de vida que não sufoque e não faça desistir. Na alegria impera também a exaustão, um disparate de dor às avessas.

Não pode ser menos, não deve faltar.
Ela quer empurrar o seu corpo e usar o que lhe veio a mais em seu próprio existir. Por vezes benéfico, por vezes estúpido.
Ela exagera, e sabe. Mas nunca se deu a menos.

A culpa faz parte disso, mas suporta, porque foi ela quem a inventou, e dá um jeito de fazer os dias correrem afastando isso do que há de vir. No escuro ela pendura seu casaco, sua máscara. Remói valores que não entende mas que lhe cobram porque lhe foram passados, depois toma um veneno para afastar da memória o que devem dizer por aí. Não se importa.

Só não pode mais estar no meio do caminho.

A medida é alta, só pode se mover se for até o fim, até onde pode caber e descansar na paz intranquila de quem nunca vai ter sossego. Isso não lhe foi prometido e ela também nunca pediu leveza alguma, pois serenidade nenhuma nunca lhe alcançaria. São apenas vultos os dias que se acolhem sem ardor. Não os considera. É preciso pesar, inchar, se não se dispersará de sí e quererá voltar e não ser. O que está resolvido é o que não se resolve, o que não vai encontrar e não sei.

domingo, 23 de agosto de 2009

sobre pensar

Eu não quero pensar no que virá: quero pensar no que é agora. No que está sendo. Pensar no que ainda não veio é fugir, buscar apoio em coisas externas a mim, que cuja consistência não posso duvidar porque não a conheço. Até pensar no que está sendo, ou o que antes era, também não. Pensar é ainda fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a não se assustar. Entrar nela significa viver.

domingo, 16 de agosto de 2009

clareia

"Me explica, que às vezes tenho medo. Deixo de ter, como agora, quando o vento cessa e o sol volta a bater nos verdes. Mesmo sem compreender, quero continuar aqui onde está constantemente amanhecendo."


[créditos à Caio F.]

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

corte em carne viva

Portas de casco podre, que falam no oco, que desafiam com a pedra na mão a janela de vidro, intacta. Em fundo de quintal um jardim de espinhos coloridos, de se colher e entregar como presente romântico.

Chove, transborda e escorre casa a fora, rente ao asfalto quente, das chuvas de verão, das nuvens de passeio, pés de aquaplanagem e nós em contra mão. Granito em baixo de vaso de vidro, um gole de água, a cortina de renda toca de leve a menina que triste chora na casa vazia.

domingo, 9 de agosto de 2009

verdade de mentira

Parece muito como quando chove, porque é bem assim que ela chega: de surpresa. E justamente quando não espero... ai, esse é o jeito que dói mais!

domingo, 2 de agosto de 2009

good morning

E eu estava sem coragem de levantar da cama, com um medo terrível do que sentiria ao abrir meus olhos e não ver os seus cabelos esparramados pelo travesseiro. A vontade era de continuar deitada com o cheiro que eu sinto sempre que te alcanço um beijo. Queria dormir, e só dormir para acordar com você.