Páginas

segunda-feira, 5 de junho de 2017

o homem mais alto do mundo

Ele era o homem mais alto que eu já havia visto na vida.
Muito alto.
Alto de não caber nos lugares
alto de ter que andar curvado no metrô
alto de tudo.
Um gigante na terra de estaturas medianas.
E como não ser notado?
Aquela massona se deslocando pelos espaços,
ocupando quase tudo
com sapatos quase irreais
imensos a pisar no chão
aquele olhar manso de bichão assustado
maldita indiscrição de tamanho.
Tinha outros olhos diante do mundo,
devia enxergar uma outra linha de horizonte,
olhos que viam poucos olhos e muitos cucurucos
e sem querer
podia prever os futuros calvos.
Ele devia ter também
o maior coração do mundo
— pra bombear tanto sangue
precisa de um super coração.
Devia caber muita coisa naquele coração
naquele estômago
naquele corpo todo
caberiam uma de mim
2 chineses
um cachorro e um canário
pra cantar, solitário na andança.
Acho também que não podia pular,
imagina?
Perigosíssimo.
Queria perguntar como era viver em um mundo
que não fora feito pra ele,
mas me contive para não ser mal educada.
Mas é algo questionável,
não?
Como é estar em um mundo que não foi pensado pra ti.
Ai tem que virar tatu
se achatar
tentar encontrar um desconfortável encaixe
pra caber.
Tem o mundo inteiro
mas tem que caber
naquele espacinho que lhe rodeia
por hora.
Bom,
acho que não é nada muito diferente
do que fazemos todos os dias.
Mas enfim
nossa
ele era o homem mais alto que eu já havia visto na vida.

domingo, 7 de maio de 2017

das coisas que não se apagam

No fundo da tela a tal da mensagem:
minúscula em um celular
falava de um tal de amor imenso
nem pra ser em papel de carta
pra deixar amarelar

a mensagem piscava
pela luz escassa
rolando debaixo do meu dedo
essa tal de tela touch:
um toque e tudo pode desmanchar

E não haveria durex para remendos
nem papel picado no lixo
só um botão, e não haveria rastros
a tecnologia sem querer inventou amor etéreo:
a virtualidade deixou as palavras desnudas de corpos.

Posso deixar então, por ora
o amor amado
guardado na memória do aparelho
há outras coisas por dentro de mim
que precisaram ser arquivadas

Ah benzinho, de todas as palavras trocadas
de todos os exageros incontidos
de todo o silêncio confortável
essa mensagenzinha nanica
é a minha favorita.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

das coisas nossas

Segredos são desvendados quase em silêncio. Na pele que encosta e dá sinal de que gosta. No olho que fecha, na boca que escancara, no ar que circula entre o lado de dentro e o lado de fora. Segredos são sinfonias íntimas, sem letra, sem canto, sem dicas. Segredos são mudos, discretos e indiscretos. Segredos são quentes. Não se diz como é. Descobre-se. Tenta-se e ele se revela por si só. O corpo denuncia que arde, denuncia que vibra, que morde. O segredo escapa. As mãos procuram, vasculham. E as mãos não vêem. Elas traduzem. O braile dos poros, dos pêlos, dos pares. O segredo dispara, confunde-se entre o talvez eu morra e talvez eu nasça. O que acontece com o segredo quando o segredo acontece? Em quanto tempo se aquieta a alma dentro de um corpo que goza? O quanto se dilata sua pupila, seu pulmão, sua mente? Sem entorpecentes, sem álcool, sem anestesia. O quanto você suporta de caos para que então venha a ordem?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

concerto paulistano

Daria pra escrever um poema sobre estar no metrô ouvindo Vivaldi no último volume. 
Toda aquela música apenas dentro de mim.