A vista do último andar sempre me deu vertigem e deslumbramento. Pensar em quantos crânios você está esmagando naquele momento pela a diferença de alguns blocos de tijolo e cimento é excitante. Mas o abandono é continuo, espreme o coração e estoura fogos de artifício para o lado dentro. E do lado de dentro o colorido não toma o céu, não conhece o topo e não voa. Não ilude, não encanta e não toma a retina dos olhos que marejados suportam as lágrimas que insistem em descer.
As cortinas dos hotéis sempre foram douradas, sedosas e perfeitamente alinhadas. Mas não dançavam. Não se permitiam deixar que o vento entrasse, batesse e tirasse tudo fora de ordem. Triste as cortinas paradas e sedentas. Sozinhas, sem o próprio ar em movimento. E mesmo no último andar, aonde o vento deveria correr mais forte e mais denso eu não podia nem parar de respirar um pouco. Sempre fora uma vida perfeita como as das cortinas. Porém, nesse lugar aqui eles deixam o sol entrar. São cortinas de algodão, mal costuradas, mas felizes. Dançam para lá e cá, o dia todo, parecem tão leves e felizes.
Existe dentro desse quarto um contraste entre eu e as cortinas.
Até aqui minha vida foi feita de mãos. De tantos os tipos e todas sem um nome. Uma mão é uma mão, ainda mais quando você tem várias á disposição. Eu sempre tive medo de rostos, expressões, olhos. De mãos não! Sempre gostei, ainda mais quando me estendiam dinheiro, facilidades, presentes, revistas, contratos. Fiz das calçadas uma passarela, me descobriram com pé no chinelo, corpo em blusa rasgada e rosto sem maquiagem. Descobriram, e ao mesmo tempo jogaram em cima de mim um pano preto. E me cobriram. A partir de então foi um festival de mãos. Mão que entregou um cartão, mão que me ajeitou o cabelo, mão que me fez maquiagem, mão que passou na bunda, mão que me deu prêmio, mão que me ligou e pediu pelo amor de Deus uma entrevista, mão que deslizou o corpo, mão que me aplaudiu, mão que tirou foto, mão que me deu tapa na cara. Mão que me ofereceu. Mas só ofereceu, não jogou em cima de mim.
Existe nesse mundo de mãos uma semelhança gritante entre a mão que me cobriu com o pano preto e com a que me ofereceu cocaína. E suas diferenças.
A partir daí eu achei que a minha vida era boa demais. Dinheiro farto, homens lindos, festas regadas a bom estilo e bom gosto, amigos, amigos, amigos. Fama! A fama é como olhar pela a janela do último andar. Mas aí trancam a porta e te dão duas escolhas. Ou você se joga e tenta sair do prédio ou fica sempre dentro dele. A minha escolha ficou no meio termo. Fiquei pendurada, nem lá e nem cá. As coisas tomaram um rumo tão grande que eu nem lembrava meu próprio nome. Aliás, todos os dias eu penso se quando eu morrer quem vai ser enterrada. Ela ou eu?
Existe entre eu e ela um mesmo corpo destrinchado em duas essências opostas que insistem em se misturar na minha cabeça. Ela me assassina e eu me jogo do alto do último andar.
Eu tinha falta de gente. Pouca gente. Pra falar a verdade, eu tinha falta de gente nenhuma.
Sempre existiu fora de mim um nome. Um álbum com pedaços de papeis cheios de vidas momentâneas, registradas e congeladas. O problema é esse. A minha culpa é fazer com que esses momentos únicos permaneçam como unidade, e se dissolvam através do tempo até o dia que simplesmente não existam mais. Me chamam de ousada, dissimulada, promiscua, farsante. O meu coração me pede para ir, eu vou. Simples assim. Percebem o erro? Esse mundaréu de adjetivos pertence ao meu coração, e não á mim.
Existe entre a droga e as palavras o mesmo perigo. Podemos usar de ambas de forma errada. Nelas, ainda, em comum a mesma questão: existe forma certa?
Hoje meus pés não sustentam o peso de ser quem sou. Mesmo que pouco, ainda sou.
Me colocaram no último andar não por ser o lugar mais privilegiado, mas por ser longe da base, do chão, do real. As cortinas dançam por mim. Um tubo come por mim. Uma mão toma banho por mim. Engraçado, mas algemas às vezes nos libertam. Disseram baixinho que o meu caso é livrar da dependência longe da própria independência.
Existe em toda história a boa moral ou a forma mais realista de ver a vida.
E o que me salva nesse quarto de hospital é a minha capacidade de sempre enxergar o lado bom e ruim das coisas.
Pelo menos, aqui, eles deixam o ar entrar.
Eles me permitem, simplesmente, sentir calor e frio.
Sem ar condicionado.
eu fico pensando "onde q a Panda aprendeu a escrever desse jeito...?" hehe. se a maioria dos escritores são pessoas velhas talvez vc fuja à regra. acho legal q sempre vejo um filminho qdo leio seus bangs, haha. e me enche de ânimo pra tentar escrever tb, é tão legal. hehe...
ResponderExcluirbeijão, Pandinha!
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