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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

prenúncio do fim

na rua gritam os cachorros perante o silêncio de um fim de tarde, um dia que o isolamento se deu por direito. quase todas as janelas de todos os andares em todos os prédios que cabem na minha paisagem já estão acesas. vista pra cá, janelas de casco podre, que falam oco, com vidros que pendem pra fora. um contexto bege, uma luz amarela acesa. na varanda um jardim de espinhos coloridos, de se colher e entregar como presente romântico.

correm esvoassantes no asfalto as folhas secas que marcam o outono, na calçada da esquerda um homem mascarado encara o vazio, na direita, abaixo do poste, dorme um cachorro (no pé de um corpo coberto de panos e de asfalto, invisível às quem decide não ver). 

na vitrola, o disco parado, a madeira molhada debaixo do vazo, um gole de água e a cortina que dança com o vento, tocando de leve a pele da que ali se fez menina e chora na casa vazia. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Eu queria te tocar agora. Da mesma forma que se toca uma música, acompanhando o ritmo com notas que se seguiriam compativelmente numa contínua melodia. Crescente, sempre crescente, até que se acalma para um fim tranquilo, de pernas e pés entrelaçados...

E assim, você e a gente...
ficou tudo preso na minha cabeça igual a um bom refrão.

sábado, 8 de dezembro de 2018

impermanência

Que faz meu nome fora da tua boca?
Quisera eu enxergar o que observava teu olhar cansado, que não meu peito descompassado e meu colo ansioso. O que te prende em devaneios, e me embaça frente teus olhos? O que há detrás de minha nuca?

- minha voz soou como um eco: percebo o esforço em voltar e a tentativa de entender as palavras que estouram como um soluço agoniado - 

Desconexos. Bastou alguns segundos para que o silêncio se instaurasse entre nós, criando um vão que engolia as frases não ditas. Nos reconhecemos como dois desconhecidos. Perdidos um do outro e daquilo tudo que podíamos ser e não fomos. 

quarta-feira, 7 de março de 2018

das coisas nossas

Segredos são desvendados quase em silêncio. Na pele que encosta e dá sinal de que gosta. No olho que fecha, na boca que escancara, no ar que circula entre o lado de dentro e o lado de fora. Segredos são sinfonias íntimas, sem letra, sem canto, sem dicas. Segredos são mudos, discretos e indiscretos. Segredos são quentes. Não se diz como é. Descobre-se. Tenta-se e ele se revela por si só. O corpo denuncia que arde, denuncia que vibra, que morde. O segredo escapa. As mãos procuram, vasculham. E as mãos não vêem. Elas traduzem. O braile dos poros, dos pêlos, dos pares. O segredo dispara, confunde-se entre o talvez eu morra e talvez eu nasça. O que acontece com o segredo quando o segredo acontece? Em quanto tempo se aquieta a alma dentro de um corpo que goza? O quanto se dilata sua pupila, seu pulmão, sua mente? Sem entorpecentes, sem álcool, sem anestesia. O quanto você suporta de caos para que então venha a ordem?

segunda-feira, 5 de março de 2018

dos dias bonitos

Esse céu me inspira. Aquele Sol radiante seguido de uma tempestade, que então volta a a radiar a luz do Sol por entre as nuvens, sabe? Meus olhos querem molhar toda vez que lembro dela, ou dos momentos que ela me deu de presente. Queria que ela pudesse vestir meu coração por alguns segundos, porque nem a melhor precisão conseguiria descrever a sensação que abraça todo o meu peito de dentro para fora. Não existia melhor presente do que sua companhia. Clichê, eu sei. Mas nada que ninguém faça muda isso aqui. Caminhar pra longe dela é como arrancar de mim uma parte, uma parte minha que deixo com ela.
Eu mal soube me despedir... É como se ela sempre estivesse perto de mim.

domingo, 17 de setembro de 2017

como um gato

tem noite que fico como um gato, 
deitada na janela,
observando as luzes da cidade,
as estrelas no céu,
pensando sobre cada ponto,
cada virgula, 
cada letra,
cada palavra,
que toda aquela vida ali logo abaixo e acima de mim, 
me dava pra pensar na minha,

nessa minha vida de gato.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

das coisas que não se apagam

No fundo da tela a tal da mensagem:
minúscula em um celular
falava de um tal de amor imenso
nem pra ser em papel de carta
pra deixar amarelar

a mensagem piscava
pela luz escassa
rolando debaixo do meu dedo
essa tal de tela touch:
um toque e tudo pode desmanchar

E não haveria durex para remendos
nem papel picado no lixo
só um botão, e não haveria rastros
a tecnologia sem querer inventou amor etéreo:
a virtualidade deixou as palavras desnudas de corpos.

Posso deixar então, por ora
o amor amado
guardado na memória do aparelho
há outras coisas por dentro de mim
que precisaram ser arquivadas

Ah benzinho, de todas as palavras trocadas
de todos os exageros incontidos
de todo o silêncio confortável
essa mensagenzinha nanica
é a minha favorita.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

about a part of love:


I wanna cook
whatever you feel like eating.
(when you’re high).

domingo, 2 de julho de 2017

roadtrip

"você é minha road trip favorita”. 

(pensou em usar essa frase em uma postagem de um futuro próximo).
antecipar alegrias tem sido seu passatempo favorito, 
desde que o conheceu.

aquele clichê:
moreno bonito, 
olhos verdes, 
sorriso que faz até apertar
no peito.

e tinha mais, ainda
flores, cartão, presentes
video-game, pipocas, conchinhas
madrugadas querendo, conversando, sorrindo
pinta de soldado, 
e uma cabeça no mundo da lua.

eita. 

houve um momento em que ela não acreditou.
“será que eu posso ter sorte assim?”

assim.

ela olha pra ele no carro,
ao lado dela
musicas escolhidas a dedo,
tocando alto

e o sol batendo por trás da silhueta dele.
“fica bem ai que essa luz tá tão bonita”

clic.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

o homem mais alto do mundo

Ele era o homem mais alto que eu já havia visto na vida. Muito alto. Alto de não caber nos lugares, alto de ter que andar curvado no metrô, alto de tudo. Um gigante na terra de estaturas medianas. E como não ser notado? Aquela massona se deslocando pelos espaços, ocupando quase tudo, com sapatos quase irreais, imensos a pisar no chão, aquele olhar manso de bichão assustado, maldita indiscrição de tamanho. Tinha outros olhos diante do mundo, devia enxergar uma outra linha de horizonte, olhos que viam poucos olhos e muitos cucurucos, e sem querer, podia prever os futuros calvos. Ele devia ter também o maior coração do mundo - pra bombear tanto sangue, precisa de um super coração. Devia caber muita coisa naquele coração, naquele estômago, naquele corpo todo, caberiam uma de mim, 2 chineses, um cachorro e um canário, pra cantar, solitário na andança. Acho também que não podia pular, imagina? Perigosíssimo. Queria perguntar como era viver em um mundo que não fora feito pra ele, mas me contive para não ser mal educada. Mas é algo questionável, não? Como é estar em um mundo que não foi pensado pra ti. Ai tem que virar tatu, se achatar, tentar encontrar um desconfortável encaixe pra caber. Tem o mundo inteiro, mas tem que caber naquele espacinho que lhe rodeia por hora. Bom, acho que não é nada muito diferente do que fazemos todos os dias. Mas enfim, nossa, ele era o homem mais alto que eu já havia visto na vida.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

sobre o peso das coisas

Navego sem saber se o que me embrulha o estômago é o curso do barco ou as sílabas que se agitam furiosamente querendo criar falas para sentimentos mal-entendidos. Brotam na garganta com uma voz estranhamente conhecida, mas saem do corpo como que em outro idioma - eu não entendo o que quero dizer a maior parte das vezes.

Both just wanted a happy end,
and they collided into each other. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

a ironia de ser forte

é colocar tijolo por tijolo
feitos de 'vai ficar tudo bem'
que quanto mais o muro cresce
mais fica escuro do lado de dentro.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

concerto paulistano

Daria pra escrever um poema sobre estar no metrô ouvindo Vivaldi no último volume. Toda aquela música apenas dentro de mim. 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

sobre um romance que não existiu

Ela recebeu o sinal: estava nublado naquele domingo.

Mas algo nela achou que isso poderia ser bonito. Que poderia ser o dia 1 de uma longa história, mesmo que estivesse chegando no meio de outra. Ela foi lá, pegou seu melhor olhar, abriu seu peito, e jogou seu próprio Sol naquele domingo nublado. Ela se jogou.

Numa sacola, levou com ela suas melhores intenções, mesmo que escritas em linhas tortas. Levou também seu coração que, mesmo já meio ocupado, ainda tinha espaço. E com ele, ela o acolheu. Dividiu o peso que carregava o outro personagem dessa história (que eu já não me lembro o nome). Havia muito futuro nele. Um futuro que pesava toneladas. Pesava milhões. Pesava a liberdade dela.

As primeiras linhas dessa história já lhe contavam quase tudo que estava por vir. E era tudo nublado. Tão nublado… Que o que ela pensou ser uma longa história, na verdade teria um fim breve, e agressivo. Tanta neblina que teve, que ficou tudo branco na memória.

Teve o fim, e a partir desse fim, nada ficou. Teve o fim. E dessa história, ela nada levou.
Sorriu no seu novo dia 1, deu seu primeiro passo e caminhou.
Leve, livre, nova.