Já foi o tempo em que ela se perdia das preocupações, agora, deu para estar perdida nelas. Sempre esperou pelo "eu também" que lhe acarinhasse os ouvidos, mas nunca disse nada que pudesse voltar para si. De olhos abertos, ela deixou de ver a televisão para assistir às imagens que sua memória resgatava e remoldava com ar de perfeição. Talvez nada que ela pudesse ver alí, viveu de fato. Mas foi tão real como um sonho é antes que se acorde. Viu a mão feminina que tanto queria em seu rosto agora, lhe puxar pela cintura e lhe empurrar para um corpo novo. Essas duas já haviam começado do meio.
Do meio para o fim. Do copo que se quebrou na discussão, da raiva que rasgou a fotografia, do telefone que não tocou, e da carta que nunca chegou. Só o seu segredo permaneceu a salvo no silêncio: quando deitada ao lado da outra, sempre traiu o que dizia para sonhar em estar sozinha. Sozinha não seria tão ruim assim. Mas foi.
Depois as ruas. Todas as pessoas que lhe chamavam a atenção em todas essas malditas ruas eram iguais. Atraiam sua vontade, e traiam sua sensatez. Queria esquecer dos cabelos escuros, dos olhos castanhos, dos dedos finos, do cheiro de menino.
A cortina ainda dançava na janela quando despertou da distração, e o som da cidade que invadiu a sala lhe trouxe de volta a razão. Foi então que tirou os pés de cima do sofá e passou a deixá-los no chão.
O chá esfriou na mesa, o cigarro virou cinza de cinzeiro, e a saudade ficou. A saudade ficou pedurada como um quadro triste na parede.
Caiu de muito alto e caiu em si, em cima de si mesma. É que existem coisas que sempre serão suas, mas jamais irão lhe pertencer.
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