Páginas

terça-feira, 28 de julho de 2009

o movimento do vento

A vista do último andar sempre me deu vertigem e deslumbramento. Pensar em quantos crânios você está esmagando naquele momento pela a diferença de alguns blocos de tijolo e cimento é excitante. Mas o abandono é continuo, espreme o coração e estoura fogos de artifício para o lado dentro. E do lado de dentro o colorido não toma o céu, não conhece o topo e não voa. Não ilude, não encanta e não toma a retina dos olhos que marejados suportam as lágrimas que insistem em descer.
As cortinas dos hotéis sempre foram douradas, sedosas e perfeitamente alinhadas. Mas não dançavam. Não se permitiam deixar que o vento entrasse, batesse e tirasse tudo fora de ordem. Triste as cortinas paradas e sedentas. Sozinhas, sem o próprio ar em movimento. E mesmo no último andar, aonde o vento deveria correr mais forte e mais denso eu não podia nem parar de respirar um pouco. Sempre fora uma vida perfeita como as das cortinas. Porém, nesse lugar aqui eles deixam o sol entrar. São cortinas de algodão, mal costuradas, mas felizes. Dançam para lá e cá, o dia todo, parecem tão leves e felizes.

Existe dentro desse quarto um contraste entre eu e as cortinas.

Até aqui minha vida foi feita de mãos. De tantos os tipos e todas sem um nome. Uma mão é uma mão, ainda mais quando você tem várias á disposição. Eu sempre tive medo de rostos, expressões, olhos. De mãos não! Sempre gostei, ainda mais quando me estendiam dinheiro, facilidades, presentes, revistas, contratos. Fiz das calçadas uma passarela, me descobriram com pé no chinelo, corpo em blusa rasgada e rosto sem maquiagem. Descobriram, e ao mesmo tempo jogaram em cima de mim um pano preto. E me cobriram. A partir de então foi um festival de mãos. Mão que entregou um cartão, mão que me ajeitou o cabelo, mão que me fez maquiagem, mão que passou na bunda, mão que me deu prêmio, mão que me ligou e pediu pelo amor de Deus uma entrevista, mão que deslizou o corpo, mão que me aplaudiu, mão que tirou foto, mão que me deu tapa na cara. Mão que me ofereceu. Mas só ofereceu, não jogou em cima de mim.

Existe nesse mundo de mãos uma semelhança gritante entre a mão que me cobriu com o pano preto e com a que me ofereceu cocaína. E suas diferenças.

A partir daí eu achei que a minha vida era boa demais. Dinheiro farto, homens lindos, festas regadas a bom estilo e bom gosto, amigos, amigos, amigos. Fama! A fama é como olhar pela a janela do último andar. Mas aí trancam a porta e te dão duas escolhas. Ou você se joga e tenta sair do prédio ou fica sempre dentro dele. A minha escolha ficou no meio termo. Fiquei pendurada, nem lá e nem cá. As coisas tomaram um rumo tão grande que eu nem lembrava meu próprio nome. Aliás, todos os dias eu penso se quando eu morrer quem vai ser enterrada. Ela ou eu?

Existe entre eu e ela um mesmo corpo destrinchado em duas essências opostas que insistem em se misturar na minha cabeça. Ela me assassina e eu me jogo do alto do último andar.

Eu tinha falta de gente. Pouca gente. Pra falar a verdade, eu tinha falta de gente nenhuma.
Sempre existiu fora de mim um nome. Um álbum com pedaços de papeis cheios de vidas momentâneas, registradas e congeladas. O problema é esse. A minha culpa é fazer com que esses momentos únicos permaneçam como unidade, e se dissolvam através do tempo até o dia que simplesmente não existam mais. Me chamam de ousada, dissimulada, promiscua, farsante. O meu coração me pede para ir, eu vou. Simples assim. Percebem o erro? Esse mundaréu de adjetivos pertence ao meu coração, e não á mim.

Existe entre a droga e as palavras o mesmo perigo. Podemos usar de ambas de forma errada. Nelas, ainda, em comum a mesma questão: existe forma certa?

Hoje meus pés não sustentam o peso de ser quem sou. Mesmo que pouco, ainda sou.
Me colocaram no último andar não por ser o lugar mais privilegiado, mas por ser longe da base, do chão, do real. As cortinas dançam por mim. Um tubo come por mim. Uma mão toma banho por mim. Engraçado, mas algemas às vezes nos libertam. Disseram baixinho que o meu caso é livrar da dependência longe da própria independência.

Existe em toda história a boa moral ou a forma mais realista de ver a vida.

E o que me salva nesse quarto de hospital é a minha capacidade de sempre enxergar o lado bom e ruim das coisas.

Pelo menos, aqui, eles deixam o ar entrar.
Eles me permitem, simplesmente, sentir calor e frio.

Sem ar condicionado.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

garoa

Entrou rápido no táxi porque quase chovia. No banco de trás, procurava o que olhar através do vidro, através das gotas que enfeitavam o vidro. Desistiu do vidro, levantou o fone até os ouvidos e aumentou o volume. Aquela música entristecia, e parecia que não vinha do fone, nem do aparelho de som. Estava mais para um som ambiente que casava muito bem com aquele momento esquisito. Recostou a cabeça, e ficou olhando o teto do carro que chacoalhava. Sentiu a lombada, sentiu a curva, e reconheceu sua rua sem ao menos olhar em volta, apenar sentiu que chegava.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

assim

Mal parecia. Nem de longe como Monet e pouco de perto com olhares clínicos.
Haviam, afinal, marcado o mesmo encontro ou tudo não tinha passado de uma real coincidência?
Frente a frente, olhavam-se de jeito minimalista o outro. Imperceptível.

- Tudo bem?
- Sim. E você?
- Tudo e você?
- Também, e você?
- To bem, e com você, tudo bem?
- Sim. E com você, tudo bem?
- ...

Daria, então, para escrever um livro em silêncio e sobre o silêncio.

Beijaram-se, como nunca com outra pessoa ou entre eles mesmos.
Foram três horas de beijos picados na casa.

domingo, 19 de julho de 2009

fuck

E da mesma forma que o vento gélido lhe corta o rosto petrificado em fúria, pode também lhe congelar as lagrimas no rosto e transformar seu corpo em mil, esvaindo os pedaços como cristal quebrado em uma nevasca. E é assim. Tempo atrás, o choro da menina caiu pelos ombros do rapaz. O choro dela escorreu em angustia de duvidas, incertezas e muito, mas muito amor mesmo, no meio daquela situação tão louca e tão delicada. Ninguém tem o direito de fazer mal a ninguém, mas alguém sempre sai ferido. Se não todos, alguém vai sair completamente despedaçado dessa situação de mau gosto. O tempo não quer passar. Ela não sabe o que fazer. Ela quer correr pra longe de tudo, ela quer sumir como seu corpo no vento. Ela quer que tudo fique bem. Ela não sabe o que fazer.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

gaiola

Ar de vítima, e vítima acuada, do tipo medrosa. Achou impossível manter os pés ainda dispostos a deslizar entre o térreo e o apartamento sessenta e tres. Acendeu o cigarro como se esfaqueasse alguém. Um golpe de filtro vermelho que ao invés de sangrar fazia fumaça, não tinha ponta de corte mais se sentia tão poderosa como se portasse realmente uma faca entre as mãos. Ao sair do prédio foi golpeada de uma só vez contra os graus abaixo de qualquer coisa. O vento lhe cortou três vezes o rosto, fez do frio chagas em seus ombros, e da beleza quente um rosto gélido, petrificado em sua fúria. Como se antes de morrer cada pessoa pudesse escolher a expressão na qual seria enterrada. Naquele dia, e somente nesse, ela escolheu morrer de liberdade.

ainda restava um pouco de café na xícara

Mãos trêmulas e coração disparado
a janela balança com a velocidade do vento
gosto demais de você pra te matar
nunca vou conseguir levantar dessa cama

nunca

segunda-feira, 13 de julho de 2009

até então, era só o tempo

Ainda tem muito que cicatrizar. Fechar por fechar, não ta sagrando e já não dói. Mas ainda ta o livro aberto em cima do criado mudo, os beijos, abraços, carinhos, telefonemas, paradas, músicas, faróis vermelhos e tudo assim, meio que na contra mão de tudo que eu sempre esperei.

Hoje eu percebi uma carência absurda... de ficar sozinha.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

a sorte há de te levar

Eu gosto de escrever durante a noite. Vou mudar, a luz do dia fez a lucidez apagar a nebulosidade em frente de tudo que existe. Olho para os lados. Não entendo o que a TV faz ligada. Talvez alguém estivesse ali. Foi embora sem se despedir, do mesmo jeito que chegou. Eu acordo e me sinto sozinha. Segurando firmemente meu travesseiro e os cobertores que me afastam do frio - e um pouco da soledade. Me vem a certeza de um lugar estranho. E essas pessoas não me entendem. Eu tento o meu melhor, até eles ficarem sem perguntas. Sacrifico tanto da minha vida para que isso funcione. Sim, talvez eles se esforcem também. Se eu fosse corajosa, fugiria. Só preciso de um lugar tranqüilo. Longe de casa. Um lugar onde não seja necessário esconder meus sonhos debaixo do colchão. Parece covardia. Mas já tem coragem naquele que sonha. Talvez isso baste. Acho que vou beber até morrer, beber a noite inteira. Ah, são pequenas coisas que me fazem falta, como acordar totalmente sozinha, sozinha de verdade. É, acabei de ouvir as notícias de hoje. E seguro minha vontade de chorar. Saiu sem se despedir, não tinha ninguém ali. Sentada na calçada. De volta onde as horas duram. O quanto mais longe você olha, mais longe você estará. São objetivos demais para medir o meu valor. Eles estão em busca do ouro.
Se nada é aventurado, nada é aprendido.

Apesar das probabilidades estarem contra, em tempo, eu ainda vou tirar meus sonhos debaixo do colchão. É como é para ser. Negligentemente crescendo, já passou da hora de eu ir embora.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

não ganhe cor, não, por favor

Queria que chovesse, e que a chuva te tirasse do meu cabelo. Acho que você assistiria as gotas escorrerem pelo vidro da janela do seu quarto. Não quero te topar pela rua, não quero que você me veja de pijamas. Preciso do espaço que você ocuparia na minha cama, preciso do ar que você me tiraria com seu beijo. Se eu ficasse, desapareceríamos aos poucos.

domingo, 5 de julho de 2009

vamos chamar de desabafo, então

Eu não sei... Parece que virou um hábito começar um parágrafo com um "eu não sei". É claro que eu sei. Pelo menos, eu sei muito bem tudo o que estou sentindo. Não acredito que um desabafo caiba aqui nesse blog, talvez eu nem tenha algo muito poético para dizer. Mas ainda assim são palavras, não é mesmo? E não tenho idéia de quanto tempo faz que não seguro em uma caneta, pra valer. Parece que fiquei assustada demais para falar claramente tudo aquilo que quis - e não duvido que esse seja o real motivo da minha garganta estar inflamada, já que um mundo de coisas queimou aqui dentro enquanto acobertadas pelo silêncio - E eu me sentia tão sortuda! Afinal de contas, tudo se ajeitou na faculdade, tenho saúde, e blá, blá, blá. Eu me sentia muito sortuda até a minha menstruação começar a atrasar, até a TPM estendida tomar conta de todos os meus ataques de duvidas e fúria que prefiro reservar ao meu quarto, a mim mesma e um pouco ao namorado (acredite, um pouco), e claro, até ter perdido aquela segurança de estar fazendo o que é certo porque não fechei a droga do meu bolso direito. Se ao menos eu conseguisse aprender a fechar meus olhos direito, e me deixasse ver somente o que eu consigo suportar, juro que nem ligaria para essa segurança! E de vez em quando, algumas coisas que eu escuto, doem tanto que chegam a ensurdecer meus ouvidos, a ponto de que eu apenas escute os meus próprios medos e maus-desejos, que acredite, não mudaram muito, acho que não mudarão nunca.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

goteira

Não sei... parece que um dia a verdade escorreu do teto e caiu bem na minha testa, virou uma goteira, e ficou lá, pigando por semanas, anos, a porra da minha vida inteira! Isso enquanto eu tentava ignorar essa dor de cabeça chata. Ela nunca passou. Fiquei seguindo os passos deles como uma criança que se perde dentro de um supermercado. Não queria admitir, nem acabar como eles. Só não queria acabar.